Reproduzo, hoje, entrevista de Fernando Mitre, que
dirige a área de jornalismo da Bandeirantes
- que reúne 200 jornalistas -
realizada por Eugênio Araújo e distribuída pelo
www.brasilalemana.com.br. Se você quer
aprender, aproveite.
De sua sala envidraçada no prédio da rua Radiantes,
Morumbi, Zona Sul de São Paulo, o experiente jornalista comanda 200
profissionais de imprensa divididos nas salas de telejornais e editorias.
Do seu terminal de computador, recebe e transmite
mensagens, mantendo conexão com outros jornalistas de 70 emissoras de TV
ligadas à Bandeirantes-Sede e mais três correspondentes internacionais.
O coração do jornalismo pulsa forte na Band, e uma
das provas disso é que o presidente de um dos maiores grupos de comunicação do
país, Johnny Saad, mantém contato direto com Fernando Mitre de 5 a 10 vezes por
dia, dependendo da 'temperatura dos acontecimentos jornalísticos'.
"Nos períodos eleitorais, você tem que levar
em consideração o que está acontecendo no ambiente da internet o tempo
todo"
Mitre adora o trabalho na Band e ressalta a "pegada
jornalística" da emissora sobretudo próximo das eleições, sempre com a
realização dos primeiros debates políticos entre candidatos. Mas a sua
trajetória tem raízes no jornalismo impresso: mineiro de Oliveira, trabalhou em
periódicos com viés experimental e texto arrojado, como o Correio de Minas e
o semanário Binômio.
Mas a sua marca pessoal ficou
impressa mesmo no Jornal da Tarde, onde entrou pelas mãos de Murilo
Felisberto. O periódico concebido por Ruy Mesquita e Mino Carta reuniu a nata
mineira de jornalistas com talentos, seja como apuradores ou com textos
ousados, quase literários.
O jornal contava ainda com um trabalho gráfico que contemplava, ora um
nariz gigante (à Pinóquio) do governador biônico Paulo Maluf, e seu sonho da
Paulipetro, à inesquecível imagem de um garoto com lágrimas sentidas, com
camisa da seleção, tendo abaixo apenas uma inscrição: Barcelona, 5 de julho de
1982 (quando uma das melhores seleções brasileiras de todos os tempos perdeu a
Copa do Mundo em partida memorável para a Itália).
Para o diretor Nacional de Jornalismo da Bandeirantes as plataformas de
comunicação continuarão mudando de forma acelerada: tablet, ipad, smartphone,
rádio, TV, webtv. "Mas a receita jornalística prossegue sendo o boa
narrativa, o bom texto, o senso crítico".
Mitre não tem meias palavras, ao
analisar o novo profissional que chega à redação com a missão de "ir para
o ar, ou descer o texto pronto", sem a supervisão do copy-desk ou do
editor de plantão. "Nos novos ambientes, quem não estiver preparado pode
quebrar a cara".
Ainda há lugar para a grande reportagem ou a indústria jornalística
impede o aprofundamento das apurações, viagens e o texto trabalhado,
semi-literário?
Incrível. Essa definição, essa pergunta me remete naturalmente à redação
do Jornal da Tarde. Porque o JT foi isso. Acho que
uma experiência única na imprensa brasileira, algo extraordinário. Um dos
pontos básicos era, justamente, a busca de um texto de sentido literário. Por
exemplo: tínhamos narrativas de fatos policiais com texto solto. Talvez um
paralelo semelhante ao JT tenha sido a revista Realidade.
Não há dúvida: continuo convicto de que o jornalismo tem que considerar a
reportagem investigativa, aprofundada...
Mas Mitre, ainda há lugar para um trabalho desse nível nos dias
atuais?
Sim, sem sombra de dúvida. Há lugar para isso e um público que quer e
precisa desse jornalismo.
E quanto às capas ousadas, por que não existem mais? Por que os jornais
são tão parecidos uns com os outros, sem surpresas: seja na capa ou no visual e
noticiário internos?
De novo tenho que falar do Jornal da Tarde. Porque ele era,
realmente, muito diferente. E os outros, todos muito parecidos. Voltemos aos
dias de hoje. Eu pego os principais jornais do país toda manhã, por dever de
ofício. Eles não são só parecidos, como muitas vezes apresentam a mesma
manchete.
Alguns dias até as fotos são as mesmas. O texto, então, é quase o mesmo
também. Quer dizer: é tudo muito chapado. Acho que o jornal que buscar a
diferença vai levar... vai ganhar o público. Nas perspectivas dos tempos
atuais, falta sim um "Quality Paper", sem sombra de dúvida.
Qual é a melhor receita para o jovem jornalista? O curso de jornalismo
continua importante?
A melhor receita para o jovem jornalista, em minha opinião, não mudou;
não muda. O suporte físico, a chamada plataforma, seja vídeo, internet, papel,
tablet, esta sim muda. O tempo todo. Mas o caminho do jornalista, não.
O novo profissional, assim como o antigo, tem que ser muito estudioso,
tem que ter uma curiosidade natural em sua vida, correr atrás da informação o
tempo inteiro. E essa informação não está apenas na delegacia de polícia ou no
Congresso Nacional. Ela também está nos livros, está nos cursos. A curiosidade
intelectual é fundamental.
E digo mais: quanto mais evoluída a tecnologia, mais se exigirá do
jornalista. Quando comecei a trabalhar, os estágios de produção de matéria, da
pauta até os textos e fotos seguirem até a oficina, eram de 10 a 12.
Cada estágio produtivo tinha sua supervisão. E algo ia sendo corrigido
ao longo do processo. Hoje não. Você vai direto. Numa redação otimizada,
atualmente, muitas vezes o repórter não só escreve, mas também edita a
reportagem. Ele tem que cortar a foto, fazer a legenda, o texto final e dar o
título da matéria...
E esse novo processo é uma ameaça ou uma oportunidade?
Olha. Se o jornalista não estiver realmente preparado pode quebrar a
cara. Claro: ainda estamos na transição dos novos modelos de jornais, mas
estamos chegando lá. E não adianta apenas dominar dois ou três idiomas. Isso
também é importante, mas não adianta. É preciso ter senso crítico e,
fundamentalmente, repertório. Essa é, e sempre foi, a base do jornalista
competente.
Quais foram os grandes repórteres de sua geração? E hoje, admira o
trabalho de alguém na reportagem impressa ou televisiva?
É muito difícil responder essa questão porque trabalhei com uma equipe
maravilhosa de repórteres. Hoje mesmo, aqui na Bandeirantes, recebi a
informação que nosso repórter Fábio Panunzio conquistou um dos prêmios Esso de
Reportagem neste 2012.
Mas na mídia impressa devo lembrar de jornalistas que eram craques na
busca da informação, na apuração, no texto e até na edição. Quer dizer:
trabalho completo. Podemos citar Marcos Faerman, Luiz Maklouf de Carvalho,
Vital Battaglia, Fernando Portela, Fernando Moraes, o Evaldo Dantas...
"Vejo os principais jornais do país toda
manhã, por dever de ofício. Além de serem parecidos, às vezes mostram a mesma
manchete"
O Evaldo conseguiu localizar e entrevistar um procurado nazista, o
Klauss Altmann Barbie...
Exatamente. Ele mesmo. Com a entrevista fizemos uma edição histórica,
espetacular. E a reportagem especial, completa, acabou sendo transformada em
livro.
Como foi sua migração para a TV: a adaptação foi complicada? Alguma
história que acabou se tornando emblemática na passagem do impresso para o
telejornal?
Eu comecei na mídia impressa em Minas Gerais, num jornal meio
experimental, mas longe do que foi o JT. Era o Correio de
Minas. Depois fui para um semanário, também com propostas inovadoras,
chamado Binômio.
Acabei vindo para São Paulo e aceitei o convite para formar o primeiro
time do Jornal da Tarde. Por tudo isso eu sempre me senti bem na mídia impressa
e, para mim, era o jornal de papel e ponto final. Cheguei a participar de
programas de televisão, mas nunca cogitei mudar o que chamam hoje de
plataforma.
Um amigo me dizia: "O Mitre vai muito bem mesmo no quadrilátero da
redação". Realmente sempre foi uma zona de conforto pra mim. Ocorre que
fui convidado para fazer a revista Afinal, onde fiquei dois anos, lançando
inclusive edições regionais, à semelhança do que hoje é a "Vejinha" [Veja
São Paulo].
Fui surpreendido com um convite da direção da TV Bandeirantes para
comandar o jornalismo. Aceitei mas, imediatamente, chamei um craque para me
ajudar: o Wianey Pinheiro, o Pinheirinho, com larga experiência na TV Globo e
que atualmente integra o quadro da GW Comunicação. Mas pessoalmente, confesso,
foi muito difícil a adaptação.
No jornal impresso, quando eu
queria mudar a capa, uma manchete, juntava a turma do chamado mesão na hora do
fechamento e pronto: tudo estava definido. Na TV não é assim não. Por isso
costumo dizer que, na televisão, com raras exceções, ninguém é bom sozinho.
A diferença é grande. Não só em termos de linguagem, mas há limitações
sérias de horário. Num programa noticioso na noite, no horário nobre, não cabe
uma reflexão econômica. Isso é para um programa especial como o Canal
Livre, aqui na Band, que, por sinal, surgiu na época da ditadura militar e
começava com a leitura emblemática da Declaração dos Direitos do Homem. O lugar
da reflexão jornalística é realmente o final da noite. Aí podemos aprofundar e
analisar os temas importantes.
"A curiosidade intelectual é fundamental. E
digo mais: quanto mais evoluída a tecnologia, mais se exigirá do
jornalista"
Na TV, há espaço para o jornalismo autoral, com opinião e análise levada
ao grande público?
Entendo que podemos caminhar para isso, realmente. Aliás, temos
discutido muito esse tema aqui na Band. O repórter que citei, o Fábio Panunzio,
por sinal, vai nessa linha: autoral, profunda.
Acho que, dependendo do profissional, da qualidade dele, é possível sim
fazer algo diferente no jornalismo de TV. Temos uma experiência boa na
emissora, a chamada Série Especial. Foi uma maneira de sairmos da rotina, da
matéria padrão, pré-estabelecida dos telejornais.
Essa série nos permite flexibilizar um pouco mais o nosso trabalho. Na
verdade, acho que caminhamos cada vez mais para esses trabalhos de maior
profundidade, algo diferente. E já dá para perceber, claramente, bons
resultados na audiência. Podemos dizer até que a Série Especial acabou se
tornando uma marca especial do telejornalismo da Band.
Em sua opinião, como casar bem o jornalismo da TV com internet? Numa
certa medida, a televisão na internet poderá prejudicar a audiência específica
na TV aberta?
A internet veio para ficar e crescer. Ela evidentemente nos influencia.
Antigamente a gente chamava um a matéria do Jornal da Band, às 8 da
noite, como uma novidade. Hoje quando você vai com a notícia, de maneira geral
já saiu quase tudo na internet. Você então é obrigado a dar sempre um salto
noticioso além da internet.
Vamos citar a campanha eleitoral, como exemplo. Você tem que levar em
consideração o que está acontecendo na internet o tempo todo. Na última eleição
a internet ainda não foi o fator decisivo, em termos de comunicação. Mas não
tenha dúvida: caminhamos prá isso. E nosso projeto está inovando nessa
plataforma a cada instante. O Grupo Bandeirantes, na verdade, está trabalhando
de maneira integrada com todas as mídias.
"Esse modelo
de jornal é um fenômeno. Tive a oportunidade de acompanhar algumas edições da
Rede Metro em algumas capitais da Europa. É surpreendente"
|
Você citou várias vezes a cobertura das eleições. Esse parece ser um
ponto forte do jornalismo da Band...
Realmente. E é uma tradição nossa. O Zé Paulo de Andrade apresentava
debates eleitorais, bem o Salomão Ésper. O Joelmir Beting também. Quando eu
cheguei na emissora, aproveitamos essa tradição, essa marca, e projetamos que a
Band deveria apresentar o primeiro debate dos candidatos à Presidência da
República.
Eu comandei o processo, deu certo, mas o jornalismo, sobretudo o de TV,
é sempre um grande trabalho em equipe. Agora: os debates mudaram muito. No
formato e no tocante à exposição dos candidatos. O público também está mais
exigente. Se você observar os arquivos notará que, há algumas décadas, os
candidatos mostravam maior agressividade nos debates...
O público reagiu, pois não gostam dessa postura e os candidatos
aprenderam. Mas o fato é que a Legislação Eleitoral é horrível para a cobertura
eleitoral. Se a TV faz entrevista de 20 segundos com o candidato, é obrigada
por força da lei a entrevistar outros 12 ou 14 postulantes a cargos públicos. É
tudo muito chapado e limitador. Por isso, procuramos inovar sempre e levar o
melhor para o telespectador.
Que lugar você enxerga para os jornais gratuitos no futuro, já que o
Grupo Bandeirantes se associou ao Metro?
E como está essa rede no Brasil e no resto do mundo? Veja: o Metro hoje
é, efetivamente, o maior jornal brasileiro. São mais de 500 mil exemplares
diários [Em São Paulo, são 154 mil exemplares auditados pelo IVC. O
restante refere-se a jornais Metro do ABC, Santos, Rio de Janeiro, Campinas,
Curitiba, Brasília, Belo Horizonte e Porto Alegre].
Esse modelo de jornal é um fenômeno. Tive a oportunidade de acompanhar
algumas edições da Rede Metro em algumas capitais da Europa. É
surpreendente. Ele é muito eficiente, ágil e rápido. Bate o olho na página e
você já apreende tudo o que tem, todas as notícias. Mas tem também espaço para
opinião.
O expresidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, escreve artigos
para o periódico. Acho importante também ressaltar que este tipo de jornal
contribui para o hábito de leitura. Está nas ruas, estimulando a que as pessoas
se informem todos os dias.
"Continuo convicto de que o jornalismo, não
importa a plataforma, tem que considerar a reportagem investigativa,
aprofundada..."
Você mencionou a importância da curiosidade intelectual na vida do
jornalista, da boa leitura. Quais os livros que ajudaram a sua formação
profissional com relação a texto, a redação correta e criativa?
Eu tenho autores que releio e que, na prática, "convivem
comigo". Um exemplo é o Fiodor Dostoiévsky. Agora estou revisitando um
clássico , O Idiota. Considero-o um dos maiores personagens da literatura
mundial.
Quando eu era garoto na redação, no começo da carreira, decidi
reescrever O Velho e o Mar, de Hernest Hemingway, com exercício de
texto, mas claro, mantendo o enredo, a mesma história.
Acho também a leitura do Machado de Assis fundamental para aprimorar a
escrita. Graciliano Ramos também, que "matava adjetivos como se mata
baratas". Dos contemporâneos, gosto do Milton Hatoum, com destaque para o
livro Dois Irmãos. Em síntese: eu não concebo jornalista que não
leia. É fundamental uma vivência literária para se exercer bem a profissão.
Há espaço para que o jornalismo da TV aproveite imagens e materiais
informativos enviados pelo cidadão? Qual o limite da interatividade?
Vamos ser pragmáticos. Recebemos muitas imagens, como se o próprio
cidadão fosse um repórter. Muitas imagens importantes e reveladoras chegam até
nós, e aproveitamos. Existem dois tipos de imagens: a tecnicamente perfeita,
com boa iluminação, boa tomada; e a imagem documental, que flagra um fato e
vale pelo conteúdo. Sempre aproveitamos esse material interativo e acredito que
essa tendência veio para ficar.
A difícil equação econômica de jornalismo arrojado na TV é limitador
da boa cobertura, das viagens e do tempo necessário para apuração e edição de
material de qualidade?
Todo diretor de redação tem esse drama. Aqui temos um colegiado e
decidimos em grupo: avaliando custos e administrando prioridades. Não podemos
fugir do orçamento. Por exemplo: sempre analisaremos, em grupo, se mandamos
uma equipe de reportagem para a Amazônia ou não.
Mas no jornalismo impresso eu sofri mais com essa questão
orçamentário. O importante mesmo é encontrar soluções para garantir a
realização da boa reportagem, completa, aprofundada. "Em síntese: eu
não concebo jornalista que não leia"
|
Qual a importância das assessorias de imprensa e da comunicação
corporativa no atual cenário?
Antigamente eu ficava chateado de ver repórteres e editores amigos
deixando a redação e montado suas empresas, suas agências, auxiliando a comunicação
de grupos empresariais. Hoje percebo sua importância, até porque os talentos
jornalísticos, em assessoria de imprensa ou na publicidade, acabam resultado em
trabalhos de qualidade na comunicação corporativa. É um bom mercado e conta
cada vez mais com bons profissionais.
Pra fechar, Mitre: com quatro décadas de redação, seja em jornais ou na
TV, cabe a pergunta: qual, na sua opinião, é o maior defeito do jornalista? E a
principal virtude?
O defeito, sem dúvida, é a arrogância, que não leva a nada. A qualidade?
Acho que podemos destacar a humildade. Não a subserviência. Mas a postura
saudável de perguntar sempre, de ouvir, de estar aberto à realidade. (www.brasilalemanha)
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